Ocorre na
sociedade contemporânea uma constante exaltação do ego que se traduz na
valorização da estética a partir de um hedonismo exacerbado, da juventude, da
cultura pop, do romantismo e do presente. Jovens desejam sempre permanecer
jovens, e idosos ambicionam o “rejuvenescimento”.
Pode-se
dizer que a sociedade adentra-se cada vez mais no estágio estético – apontado
por Kierkegaard (1979) em sua obra Ou Isso, Ou Aquilo: Um Fragmento de Vida (1843)
–, o qual se caracteriza pelo romantismo e o prazer propiciado pelo agora,
ambos marcados pelo desejo, contrapostos à dor e ao tédio.
Apesar dessa
busca por prazeres momentâneos, os indivíduos tendem sempre a se apoiar a algo
concreto, a alguma característica de si próprios que valorizam de forma
constante e intensa. A essa procura por um sustentáculo pessoal, é possível
chamar supervalorização da persona em relação ao ego e, até mesmo, de
narcisismo, características da sociedade pós-moderna. Essa base pessoal
encontra-se na estrutura psíquica dos indivíduos, a qual “se altera de acordo
com a máscara social” (MELLO et al., 2002).
Quando os
prazeres se tornam escassos e sua persona sofre ameaça, o indivíduo passa a
demonstrar-se, com maior frequência, insatisfeito. Como salienta Hegenberg
(2007, p. 68), essa insatisfação pode ser resultante de um querer mais e mais,
pois o indivíduo sente “um vazio irreparável, um nada, uma frustração contínua
fruto de suas comparações com objetos idealizados”. Essa insatisfação limita as
visões de mundo do indivíduo e traz problemas a sua autoimagem.
Para
exemplificar, mesmo de caráter fictício, é possível citar a personagem Rachel
Berry, da série musical Glee, que possui como base de sua vida e de sua
personalidade a voz. Tal como aponta Balser e Gardner (2011, p. 220), a voz de
Rachel pode ser entendida como uma metáfora para a sua identidade. A personagem
mostra-se capaz de tudo para alcançar o sucesso como cantora, e quando se vê
ameaçada a perder a voz por causa de uma amidalite, entra em pânico e em
profunda tristeza (senão uma depressão). Desse modo, a voz de Rachel também
pode ser entendida como uma máscara que esconde seus maiores medos e anseios.
Caso ela a perca, perderá também aquilo que esconde o que ela reprime.
Através de
concepções diversas, será realizada uma tentativa de explanação dos valores e
sentidos que os indivíduos atribuem a suas características físicas.
1. Persona: a Identidade Ideal?
As coisas
nem sempre são o que parecem ser – já diz o adágio popular. Assim como a voz
não é apenas uma voz, como foi exemplificado, um corpo não é apenas um corpo. É
a forma com a qual as pessoas representam-se e criam sua “identidade”.
Identidade,
para Stuart Hall (1998), citado por Borges (2004), “é algo formado ao longo do
tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato”. Devido a esse
processo, que se inicia na concepção e termina na morte do indivíduo, o termo
correto a se utilizar seria identificação, que diz mais a respeito ao momento
que o indivíduo vive.
Dado como
forma de identificação, o corpo é construído através da linguagem. Como afirma
Goellner (2010, p. 29), é ela que “tem o poder de nomeá-lo, classifica-lo,
definir-lhe normalidades e anormalidades, instituir, por exemplo, o que é considerado
um corpo belo, jovem e saudável”.
Dado que a
linguagem é a “produtora” do corpo, e como filmes, músicas, revistas, livros,
imagens e propagandas são métodos de transpor essa linguagem, pode-se dizer que
são eles também responsáveis pela criação de uma imagem ideal, um exemplo ou
padrão a ser seguido (GOELLNER, 2010, p. 29). A questão é: o que ocorre com
quem não possui formas – sejam elas físicas, financeiras, culturais – para
seguir os modelos impostos?
Um grifo
interessante pode ser tomado a partir de pressupostos a respeito do Transtorno de Personalidade Boderline (TPB). O indivíduo que não consegue “se adequar” a esses modelos
criaria seu ideal do ego, que dele exigiria o máximo. Ele utilizaria todo o seu
potencial para alcançar a perfeição, o que seria desgastante e, provavelmente,
em vão, logo que seu desejo de se tornar o centro do universo é, de certa
forma, impossível de ser realizado (HEGENBERG, 2007, p. 69). Essa busca pelo
“centro das atenções” refletiria na criação de uma base, pelo sujeito, para se
sustentar: a persona.
Persona,
segundo Jung citado por Humbert (1983), seria a forma que o sujeito assume uma
personalidade para se adaptar ao ambiente e para com ele se relacionar.
Constituir-se-ia, como aponta Mello e outros (2002), de “papeis sociais, tipo
de roupa e estilo de expressão pessoal”. Esse termo é derivado das máscaras que
atores gregos utilizavam no teatro.
No exemplo
citado anteriormente, Rachel Berry produz seu ideal do ego utilizando-se de sua
voz: é ela a sua persona, e é com ela que se adapta (ou tenta se adaptar) aos
“companheiros não tão talentosos” do coral da escola. Antes de cantar um solo
no mesmo episódio, ela afirma que a música escolhida trata de enfrentar
desafios, que em seu caso, seriam os colegas que não conseguem prosseguir
sozinhos sem tê-la ao lado. Rachel, que sempre teve problemas com sua
aparência, com sua personalidade forte (ela mesmo se considera irritante e
convencida) e, principalmente, com seu nariz (o que ela deixa claro em um dos
episódios seguintes a este, no qual ela adentra-se no dilema de fazer uma
cirurgia plástica ou não), tem sua voz como máscara de sua identidade – a
representação que ela faz é que a voz é produtora de todo o seu talento. Se ela
é como é, como ela mesma explica, é por causa da voz. “Quando Rachel está
abalada por ter perdido a voz, ela explica muito claramente o simbolismo por
trás dessa perda: quem é Rachel Berry sem sua voz?” (BALSER; GARDNER, 2011, p.
220). Sua máscara cairia com essa perda, e ela não teria como explicar os
motivos de seus atos e anseios.
Existem dois
tipos de persona: uma para quando estamos sozinhos e uma para o convívio
social. Esta última pode apresentar características positivas ou negativas,
variando de indivíduo para indivíduo. Ela pode tanto proteger o ego, reprimindo
sentimentos que podem ocasionar tragédias pessoais e desavenças no âmbito
social, quanto criar uma identidade mascarada, artificial, contrária aos traços
do sujeito (MELLO et al., 2002).
Essa
identidade mascarada é aquela produzida através de representações sociais que o
indivíduo cria sobre seu próprio corpo. São significados que ele atribui ao seu
sustentáculo pessoal, a sua base. Quando essa base encontra-se em perigo,
correndo riscos de desconstituição, o sujeito sofre a angústia, a qual se
demonstra como constantes pânico e tristeza.
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