11 de jan. de 2012

Máscaras do Ego: aspectos subjetivos das representações do corpo


Ocorre na sociedade contemporânea uma constante exaltação do ego que se traduz na valorização da estética a partir de um hedonismo exacerbado, da juventude, da cultura pop, do romantismo e do presente. Jovens desejam sempre permanecer jovens, e idosos ambicionam o “rejuvenescimento”.
Pode-se dizer que a sociedade adentra-se cada vez mais no estágio estético – apontado por Kierkegaard (1979) em sua obra Ou Isso, Ou Aquilo: Um Fragmento de Vida (1843) –, o qual se caracteriza pelo romantismo e o prazer propiciado pelo agora, ambos marcados pelo desejo, contrapostos à dor e ao tédio.
Apesar dessa busca por prazeres momentâneos, os indivíduos tendem sempre a se apoiar a algo concreto, a alguma característica de si próprios que valorizam de forma constante e intensa. A essa procura por um sustentáculo pessoal, é possível chamar supervalorização da persona em relação ao ego e, até mesmo, de narcisismo, características da sociedade pós-moderna. Essa base pessoal encontra-se na estrutura psíquica dos indivíduos, a qual “se altera de acordo com a máscara social” (MELLO et al., 2002).
Quando os prazeres se tornam escassos e sua persona sofre ameaça, o indivíduo passa a demonstrar-se, com maior frequência, insatisfeito. Como salienta Hegenberg (2007, p. 68), essa insatisfação pode ser resultante de um querer mais e mais, pois o indivíduo sente “um vazio irreparável, um nada, uma frustração contínua fruto de suas comparações com objetos idealizados”. Essa insatisfação limita as visões de mundo do indivíduo e traz problemas a sua autoimagem.
Para exemplificar, mesmo de caráter fictício, é possível citar a personagem Rachel Berry, da série musical Glee, que possui como base de sua vida e de sua personalidade a voz. Tal como aponta Balser e Gardner (2011, p. 220), a voz de Rachel pode ser entendida como uma metáfora para a sua identidade. A personagem mostra-se capaz de tudo para alcançar o sucesso como cantora, e quando se vê ameaçada a perder a voz por causa de uma amidalite, entra em pânico e em profunda tristeza (senão uma depressão). Desse modo, a voz de Rachel também pode ser entendida como uma máscara que esconde seus maiores medos e anseios. Caso ela a perca, perderá também aquilo que esconde o que ela reprime.
Através de concepções diversas, será realizada uma tentativa de explanação dos valores e sentidos que os indivíduos atribuem a suas características físicas.

1. Persona: a Identidade Ideal?

As coisas nem sempre são o que parecem ser – já diz o adágio popular. Assim como a voz não é apenas uma voz, como foi exemplificado, um corpo não é apenas um corpo. É a forma com a qual as pessoas representam-se e criam sua “identidade”.
Identidade, para Stuart Hall (1998), citado por Borges (2004), “é algo formado ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato”. Devido a esse processo, que se inicia na concepção e termina na morte do indivíduo, o termo correto a se utilizar seria identificação, que diz mais a respeito ao momento que o indivíduo vive.
Dado como forma de identificação, o corpo é construído através da linguagem. Como afirma Goellner (2010, p. 29), é ela que “tem o poder de nomeá-lo, classifica-lo, definir-lhe normalidades e anormalidades, instituir, por exemplo, o que é considerado um corpo belo, jovem e saudável”.
Dado que a linguagem é a “produtora” do corpo, e como filmes, músicas, revistas, livros, imagens e propagandas são métodos de transpor essa linguagem, pode-se dizer que são eles também responsáveis pela criação de uma imagem ideal, um exemplo ou padrão a ser seguido (GOELLNER, 2010, p. 29). A questão é: o que ocorre com quem não possui formas – sejam elas físicas, financeiras, culturais – para seguir os modelos impostos?
Um grifo interessante pode ser tomado a partir de pressupostos a respeito do Transtorno de Personalidade Boderline (TPB). O indivíduo que não consegue “se adequar” a esses modelos criaria seu ideal do ego, que dele exigiria o máximo. Ele utilizaria todo o seu potencial para alcançar a perfeição, o que seria desgastante e, provavelmente, em vão, logo que seu desejo de se tornar o centro do universo é, de certa forma, impossível de ser realizado (HEGENBERG, 2007, p. 69). Essa busca pelo “centro das atenções” refletiria na criação de uma base, pelo sujeito, para se sustentar: a persona.
Persona, segundo Jung citado por Humbert (1983), seria a forma que o sujeito assume uma personalidade para se adaptar ao ambiente e para com ele se relacionar. Constituir-se-ia, como aponta Mello e outros (2002), de “papeis sociais, tipo de roupa e estilo de expressão pessoal”. Esse termo é derivado das máscaras que atores gregos utilizavam no teatro.
No exemplo citado anteriormente, Rachel Berry produz seu ideal do ego utilizando-se de sua voz: é ela a sua persona, e é com ela que se adapta (ou tenta se adaptar) aos “companheiros não tão talentosos” do coral da escola. Antes de cantar um solo no mesmo episódio, ela afirma que a música escolhida trata de enfrentar desafios, que em seu caso, seriam os colegas que não conseguem prosseguir sozinhos sem tê-la ao lado. Rachel, que sempre teve problemas com sua aparência, com sua personalidade forte (ela mesmo se considera irritante e convencida) e, principalmente, com seu nariz (o que ela deixa claro em um dos episódios seguintes a este, no qual ela adentra-se no dilema de fazer uma cirurgia plástica ou não), tem sua voz como máscara de sua identidade – a representação que ela faz é que a voz é produtora de todo o seu talento. Se ela é como é, como ela mesma explica, é por causa da voz. “Quando Rachel está abalada por ter perdido a voz, ela explica muito claramente o simbolismo por trás dessa perda: quem é Rachel Berry sem sua voz?” (BALSER; GARDNER, 2011, p. 220). Sua máscara cairia com essa perda, e ela não teria como explicar os motivos de seus atos e anseios.
Existem dois tipos de persona: uma para quando estamos sozinhos e uma para o convívio social. Esta última pode apresentar características positivas ou negativas, variando de indivíduo para indivíduo. Ela pode tanto proteger o ego, reprimindo sentimentos que podem ocasionar tragédias pessoais e desavenças no âmbito social, quanto criar uma identidade mascarada, artificial, contrária aos traços do sujeito (MELLO et al., 2002).
Essa identidade mascarada é aquela produzida através de representações sociais que o indivíduo cria sobre seu próprio corpo. São significados que ele atribui ao seu sustentáculo pessoal, a sua base. Quando essa base encontra-se em perigo, correndo riscos de desconstituição, o sujeito sofre a angústia, a qual se demonstra como constantes pânico e tristeza.

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