5 de nov. de 2010

Uma história de amor...sem lágrimas



 Estranhos pensamentos circulavam em zigue-zague a mente de Carolina naquela manhã de sábado. O céu estava de um azul cor-de-anil e o dia prometia ser de todo agradável, se... O relógio despertara às oito horas, como o programado, embora não exatamente para o que Carolina estava planejando naquele momento. Era setembro, mas fazia um frio gostoso, como o daquelas manhãs do mês de agosto que tanto alegravam a pequena Carol, como era chamada por sua mãe. Ah... aquelas manhãs...Vinte e cinco anos já haviam passado desde então! A garotinha costumava levantar e, ainda sonolenta, adorava olhar a grama toda branca, coberta pela geada. Depois, tomava seu café com leite, tirado da vaca Mimi, cheio de nata. Carol gostava de nata no leite, nata no pão, nos bolos que sua avó Amélia fazia , ela gostava muito, muito de nata. Essas lembranças aguçaram sua fome! Carolina levantou e foi até a cozinha . - Pôxa, que droga! O resto de leite que havia sobrado de sexta-feira derramou em cima da pia, por acidente. Aquela cozinha estava um horror! A louça suja estava colocada em uma bacia coberta por um lindo guardanapo. Mas de que adiantava a aparência de limpeza se não se encontrava um único copo limpo para tomar ao menos água? - Deixa prá lá. Aquele dia ensolarado prometia... Carolina limpou com um pano o leite derramado sem chorar por ele. Tomou café preto com bolacha e colocou a xícara dentro da bacia, sob o guardanapo... Algo importante iria acontecer. Ela não queria perder a chance de receber o novo, o que iria mudar sua vida! 
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 Secretária de alto executivo do mercado financeiro Carolina passava a maior parte do seu tempo trabalhando. Não tinha um horário exclusivamente seu, para dedicar aos cuidados do corpo, das roupas, e mesmo da alimentação. - Esses "momentos íntimos" que toda mulher gosta e precisa ter, lamentava Carolina. Aquela semana fora realmente cansativa. No horário do almoço conseguia fazer apenas um rápido lanche. O chefe a exigira muito, e ela até fez horas extras à noite, que não eram devidamente pagas. Mas o emprego, de uma forma geral, era bom, ela não podia se queixar. Mas nos últimos cinco dias Carolina realmente não tivera tempo para alimentar-se adequadamente, e nem mesmo para ir ao supermercado e fazer as compras de final-de-semana. 
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 Com 1m72cm de altura, 30 anos de idade, cabelos castanho claro, compridos, e olhos cor de mel, Carolina era uma mulher que chamava a atenção por onde quer que passasse. Era mulher estável financeiramente. O apartamento em que morava era dela. Também possuía um pequeno apartamento na Serra , em Gramado, onde costumava passar alguns fins-de-semana; um carro, e um salário razoável. Tinha poucos amigos, mas leais. Quem a observasse, teria a certeza que Carolina deveria ser uma pessoa muito feliz, pois nada lhe faltava. Entretanto, não era assim que ela se sentia. - As vezes sinto um vazio...- confidenciava à Magda, sua melhor amiga. -...quero me apaixonar, quero cometer loucuras, quero, depois, amar tranqüilamente e ser amada! 
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 Carolina sabia que as grandes paixões da história armaram-se no quadro do "amor submisso". Maior era a amante quanto mais ela sofria. Mas hoje o tempo é outro, e o amor esperado pela maioria das mulheres de agora é o amor partilhado. O que se dá e se recebe, na mesma medida. Mulher bonita e independente, Carolina sempre estivera rodeada por homens que se interessavam por ela. Namorara alguns deles e já pensara em casamento. Como as demais mulheres, desde menina fora criada com a convicção de que marido é fundamental, e o amor romântico era o passaporte para o "marido garantido". Entretanto, ela não acreditava na garantia de um marido se nele não estivesse a sua felicidade. E a felicidade desejada por ela não estava em qualquer dos namorados que até então tivera. A relação com Caio, o último deles, durou três anos. Intensa, mas desencontrada, de um desencontro que aumentava com a convivência e com o tempo. Extremamente ciumento e inseguro Caio não admitia a atividade profissional de Carolina. Nos últimos meses de namoro as brigas por ciúmes eram cada vez mais freqüentes e dolorosas. Caio sempre dizia, aos gritos, que "mulher não é igual ao homem; que mulher que luta, que brilha, que vence em uma carreira profissional não é mulher, é homem. Então, essa mulher\homem deve renunciar à fertilidade; não pode ter filhos". Durante essas crises Carolina reagia pouco; engolia muito. Ele continuava exigindo: "O teu trabalho ou eu". Um dia foi feita a escolha. Vencendo o medo da perda e o medo de ter que recomeçar, Carolina rompeu e voltou à sala de espera de um novo amor. De um amor maior, que faz do casal uma unidade. De um amor íntimo, que começa no desejo de conhecer o ser amado e também dar-se a conhecer. Sem mistérios, sem cobranças, ou desconfianças. Caio fazia sexo perfeito, e Carolina conseguia ótimos orgasmos, mas não sentia intimidade. Não aquela que respeita a privacidade e os desejos do outro. 
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 Após ter tomado café preto com algumas bolachas, Carolina ligou para Magda. Convidou-a para subirem a Serra e só voltarem no domingo. Magda era daquelas "amigonas" sempre pronta para aceitar convites de última hora. E aceitou. Carolina era sua melhor amiga e ótima companhia. As duas combinaram que Carolina passaria no apartamento de Magda às 9h30min. e pegariam a estrada. 
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 No trajeto para o apartamento de Magda, Carolina ía pensando: "Viver sozinha não é bom. Pode ser por algum tempo, em determinados períodos, mas não existe alguém, mental e fisicamente sadio, que viva só por gosto...as mulheres precisam de um homem, e a recíproca é verdadeira". "Porque se o homem nos é necessário, a mulher também é necessária a ele. Em igual medida". "Essa é uma verdade que nos indica o caminho: o amor é uma busca". 
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 Magda já estava aguardando Carolina em frente ao prédio. As duas amigas cumprimentaram-se alegremente e partiram, tagarelando animadas, para um agradável fim-de-semana. Era o que esperavam. Ao chegarem a Gramado procuraram um pequeno restaurante onde serviam comida caseira, pois Carolina estava desejosa de saborear algo bem simples. O local era realmente agradável e o cheiro de "bife à caçarola" fez as duas amigas salivarem. - Que fome ! - disseram Sentaram-se em local aconchegante e pediram um martini. O salão estava quase vazio, pois ainda era cedo. Mas aos poucos, os frequeses foram chegando. Em 20 minutos o restaurante estava lotado. Carolina percorreu com o olhar todas as mesas a procura... a procura do quê? Após almoçarem resolveram caminhar um pouco pela cidade. Olharam vitrines, compraram algumas lembrancinhas para os sobrinhos de Magda, e dois lindos blusões de lã que se deram de presente. Em Gramado existem bonitas peças feitas à mão. Depois foram para o apartamento. Abriram as janelas deixando o sol entrar. Recostaram-se na cama, cobrindo-se com grossas mantas de lã e pegaram no sono. Acordaram com um pouco de frio. A noite já estava chegando e elas estavam com uma vontade "danada" de tomar café. Magda fez um cafezinho, e também comeram salgadinhos. Magda queria sair para fazer um lanche, mas Carolina queria era mesmo comer uma "comida de verdade". Na última semana ela havia passado praticamente a lanches rápidos. Queria "tirar a diferença", brincou. 
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 Magda era gerente de uma rede de supermercados. Viúva há dois anos, com 32 anos de idade, também estava saindo de um relacionamento insatisfatório. Do único que tivera após a morte de seu marido. Um ataque cardíaco pusera fim a seu casamento. Ela ainda não conseguira abrandar a saudade. E a lembrança dos quatro nos de felicidade que tivera com ele não a deixava envolver-se afetivamente com outro homem. O tempo de convivência foi curto, não tiveram filhos, mas foi uma época realmente feliz. Eles "combinavam em tudo", lembrava Magda. O marido era engenheiro, com sólida situação financeira, o que possibilitou à viúva manter o mesmo padrão de vida. Ela não tinha problemas financeiros, mas levava uma vida pacata. Carolina era sua melhor amiga e com ela Magda se sentia bem. Por isso nunca recusava um convite seu. Principalmente para comer uma "comida de verdade". 
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 Situada na região serrana do Rio Grande do Sul, Gramado possui, junto a uma natureza exuberante, traços intactos da colonização européia ocorrida no final do século XIX. Povoada por imigrantes italianos e alemães, Gramado ergueu-se nas terras altas do planalto Meridional do Brasil, a 850 metros de altitude. Coberta por espessas florestas em terrenos acidentados, a Serra Gaúcha permanecia desabitada até a chegada dos europeus, de espírito desbravador, que reproduziram a partir da geografia e do clima temperado um estilo de vida fascinante. Gramado era um ponto natural de repouso na dura subida do litoral para a serra. Hoje é um dos principais centros turísticos do país, reunindo excelente hotelaria e gastronomia, belíssimos parques e mirantes, inúmeros pontos turísticos, praças e ruas floridas durante todo o ano emoldurando uma arquitetura colonial e um rico calendário de eventos. 
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 Quando chegaram no restaurante já o encontraram cheio. Entretanto, conseguiram  mesa bem ao fundo. Elas pediram uma picanha bem suculenta, arroz, polenta e salada. À mesa em frente à delas estavam sentados dois belos exemplares do sexo masculino. Sozinhos. Apresentavam entre l8 e 21 anos. Carolina chegou à conclusão de que o sábado estava terminando e não havia acontecido o que ela tanto fantasiara. Por alguns momentos ficou calada, olhando o prato. Magda notou uma certa tristeza no olhar da amiga. - O que está acontecendo? - perguntou. - Estou me sentindo só, acho que preciso de um homem com urgência ao meu lado. O Caio me telefonou, quer encontrar comigo para conversarmos. Ele quer reatar. Mas não sei... Reatar prá mim é recomeçar. Mas onde um amor interrompido recomeça? - No início, quando a paixão explodiu em chamas? Não, acredito que não - concluiu Magda. No meio, quando o desgaste já começa a se instalar não é apropriado, e muito menos no fim. Naquele último período dolorido... - Nossa paixão iniciou ardente, mas depois se revelou impraticável. Chegamos à ruptura de forma sofrida, magoados. Ele me queria de um jeito que não sou. Queria-me no seu molde, e se não fosse assim, não daria. Não deu. Agora ele quer reconsiderar. Prometeu mudar, mas não acredito na sinceridade dele. Meu amor por ele se esvaiu. - Então, amiga, levante vôo. Faça o reconhecimento de todas as pastagens e escolha a sua. 
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 Retornaram ao apartamento com o rosto rosado e sonolentas, talvez pelo do vinho que tomaram. Com muito gosto, foram dormir bem aconchegadas no edredom. Pássaros cantavam nas árvores lá fora. Carolina levantou e foi à sacada. A grama do jardim estava coberta de geada. Estava frio, mas os primeiros raios de sol já começavam a brilhar nos vidros da janela do quarto. Era cedo, ainda. Deitou novamente. Acordou sentindo um agradável cheiro de café. A mesa estava posta e Magda puxou suas cobertas brincando: - Levanta, sua preguiçosa. O dia está lindo! Carolina vestiu o roupão, escovou os dentes e sentou-se à mesa. Tomaram suco de laranja, comeram uma fatia de mamão e depois uma xícara de café com deliciosas torradas. Combinaram sair logo após, para aproveitarem bem a manhã e o resto do tempo na Serra. Carolina lavou a louça, arrumaram-se e saíram. Foram até Canela. À tarde, retornaram a Porto Alegre. Dirigia olhando atentamente a estrada, mas parecia pensativa. - O que foi? - perguntou Magda. - Fiz planos para este fim-de-semana. Porém não aconteceu o que esperava. - Esperavas o quê? - Encontrar o meu amor. Magda sorriu. - Não ria - pediu Carolina. - Humm, está bem, não rirei. Mas diga-me, achaste que num fim de semana, assim, de repente, tu encontrarias o amor da tua vida? - Achei. O amor pode ser encontrado num "virar a esquina", na fila do banco, no ... no... - Está bem - disse Magda - admiro tua iniciativa, tua decisão de buscá-lo. Só não desista. Não o encontrastes hoje, poderás encontrá-lo amanhã. Carolina sorriu e passou a mão no joelho da amiga, agradecendo o incentivo. Então, o monza que ía à frente deu uma guinada para a direita, e freou. Carolina conteve um palavrão e conseguiu parar o carro antes que batesse. O monza foi para o acostamento e estacionou. O motorista desceu do carro. Por meio de gestos pediu a Carolina que parasse também. 
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 Alto, cabelos castanho claro e olhos azuis, aparentava uns 30-33 anos de idade. Os lábios rosados mostravam os dentes uniformes e alvos. Estava sorrindo. - Mas que "diacho" está acontecendo - murmurou Carolina - este cara quase me faz bater e desce do carro todo sorridente... é um louco! - Não parece - disse Magda - e ele é muito bonito, vamos ver o que ele quer? Carolina estacionou o carro logo atrás do dele. O homem foi em direção às mulheres e curvou-se para a janela da porta onde Magda estava sentada. - Desculpem o transtorno - disse com voz pausada - mas uma lebre passou em frente ao meu carro e fiquei com receio de atropelá-la. Há uma restaurante a 50 metros daqui, gostaria de convidá-las para tomarmos um café ou um suco. - Estamos com pressa - respondeu Carolina - precisamos chegar logo em Porto Alegre. Mas você está desculpado. - Então fiquem com meu cartão. Meu nome é Pedro. Só vou acreditar que realmente me desculparam se aceitarem meu convite para um jantar, então. Me telefonem. Magda pegou o cartão, despediram-se e continuaram a viagem. Por algum tempo, o carro dele ía à frente do de Carolina, a quem observava pelo espelho retrovisor. Em determinado ponto ele estacionou em frente a uma lanchonete. Carolina e Magda seguiram conversando. 
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 O menino brincava sentado ao chão em cima de um tapete cinza-claro. Os cabelos loiros, encaracolados, emolduravam o rosto rosado. Olhos, azuis, espertos, seguiam os malabarismos que a mãe fazia com os carrinhos, aviões e trenzinhos. Os dois riam felizes. Na cozinha, o pai servia sorvete em taças enfeitadas com morango. - Papai, eu quero sorvete! - Quase pronto, quase pronto - respondia o pai. - Tchã, tchã, tchã, quem quer o sorvete mais gostoso da cidade? - Eu, eu, eu - gritou feliz o garotinho. - E a mamãe também quer? - perguntou Pedro. Carolina olhou para o marido, levantou-se do chão onde estava sentada em frente a Roberto, e o beijou. Sentaram-se perto do filho, de três anos e comeram, e brincaram... e comeram "o melhor sorvete da cidade", receita de Pedro.
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 Cinco anos já se haviam passado desde aquele fim-de-semana frio de setembro. Carolina não resistira à lembrança daquele sorriso que ela achara encantador, e acabara telefonando para Pedro. Ele a convidou para jantar, e à Magda também. Aquele, foi o primeiro dos muitos jantares que partilharam. O primeiro dos muitos jantares que ainda terão. Pedro é um homem seguro de si, que aos trinta e oito anos dirige sua própria empresa - de Factoring. Carolina atualmente trabalha com o marido, gerenciando os negócios. Roberto, pela manhã, fica em casa com a empregada, e à tarde vai para a Escolinha Doce de Leite. Aos sábados e domingos o casal dispensa a empregada e passa todo o tempo com o filho . O pai cozinha, a mãe lava a louça e Roberto já está aprendendo a secá-la. Carolina pensa ter encontrado em Pedro o amor que esperava. Não nasceu de uma paixão ardente, mas de um sentimento de respeito, carinho, companheirismo, cumplicidade. Foi se tornando partilhado, íntimo. Carolina e Pedro ainda estão se conhecendo. E é através do diálogo, chave mestra do entendimento, que eles decompõem suas diferenças. Cada um tem seu ritmo de falar e de pensar. Eles sabem que um diálogo não tem que ser "somente aqui e agora". Sabem também, que se houver ruído na comunicação, o melhor que têm a fazer é adiá-lo para uma outra hora.
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 O telefone toca no momento em que Carolina "lambe" a última colherada de sorvete. É Paulo. Ligou para avisar que Magda está sendo levada para o hospital pois começaram as contrações. Paulo está radiante. Carolina e Pedro também. A amiga está casada, feliz, e vai ter o filho que sempre desejou. 
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