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Secretária de alto executivo do mercado financeiro Carolina passava a maior parte do seu tempo trabalhando. Não tinha um horário exclusivamente seu, para dedicar aos cuidados do corpo, das roupas, e mesmo da alimentação.
- Esses "momentos íntimos" que toda mulher gosta e precisa ter, lamentava Carolina.
Aquela semana fora realmente cansativa. No horário do almoço conseguia fazer apenas um rápido lanche. O chefe a exigira muito, e ela até fez horas extras à noite, que não eram devidamente pagas. Mas o emprego, de uma forma geral, era bom, ela não podia se queixar. Mas nos últimos cinco dias Carolina realmente não tivera tempo para alimentar-se adequadamente, e nem mesmo para ir ao supermercado e fazer as compras de final-de-semana.
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Com 1m72cm de altura, 30 anos de idade, cabelos castanho claro, compridos, e olhos cor de mel, Carolina era uma mulher que chamava a atenção por onde quer que passasse. Era mulher estável financeiramente. O apartamento em que morava era dela. Também possuía um pequeno apartamento na Serra , em Gramado, onde costumava passar alguns fins-de-semana; um carro, e um salário razoável. Tinha poucos amigos, mas leais. Quem a observasse, teria a certeza que Carolina deveria ser uma pessoa muito feliz, pois nada lhe faltava. Entretanto, não era assim que ela se sentia.
- As vezes sinto um vazio...- confidenciava à Magda, sua melhor amiga.
-...quero me apaixonar, quero cometer loucuras, quero, depois, amar tranqüilamente e ser amada!
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Carolina sabia que as grandes paixões da história armaram-se no quadro do "amor submisso". Maior era a amante quanto mais ela sofria. Mas hoje o tempo é outro, e o amor esperado pela maioria das mulheres de agora é o amor partilhado. O que se dá e se recebe, na mesma medida.
Mulher bonita e independente, Carolina sempre estivera rodeada por homens que se interessavam por ela. Namorara alguns deles e já pensara em casamento. Como as demais mulheres, desde menina fora criada com a convicção de que marido é fundamental, e o amor romântico era o passaporte para o "marido garantido". Entretanto, ela não acreditava na garantia de um marido se nele não estivesse a sua felicidade. E a felicidade desejada por ela não estava em qualquer dos namorados que até então tivera. A relação com Caio, o último deles, durou três anos. Intensa, mas desencontrada, de um desencontro que aumentava com a convivência e com o tempo.
Extremamente ciumento e inseguro Caio não admitia a atividade profissional de Carolina. Nos últimos meses de namoro as brigas por ciúmes eram cada vez mais freqüentes e dolorosas. Caio sempre dizia, aos gritos, que "mulher não é igual ao homem; que mulher que luta, que brilha, que vence em uma carreira profissional não é mulher, é homem. Então, essa mulher\homem deve renunciar à fertilidade; não pode ter filhos". Durante essas crises Carolina reagia pouco; engolia muito. Ele continuava exigindo: "O teu trabalho ou eu". Um dia foi feita a escolha.
Vencendo o medo da perda e o medo de ter que recomeçar, Carolina rompeu e voltou à sala de espera de um novo amor. De um amor maior, que faz do casal uma unidade. De um amor íntimo, que começa no desejo de conhecer o ser amado e também dar-se a conhecer. Sem mistérios, sem cobranças, ou desconfianças. Caio fazia sexo perfeito, e Carolina conseguia ótimos orgasmos, mas não sentia intimidade. Não aquela que respeita a privacidade e os desejos do outro.
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Após ter tomado café preto com algumas bolachas, Carolina ligou para Magda. Convidou-a para subirem a Serra e só voltarem no domingo. Magda era daquelas "amigonas" sempre pronta para aceitar convites de última hora. E aceitou. Carolina era sua melhor amiga e ótima companhia. As duas combinaram que Carolina passaria no apartamento de Magda às 9h30min. e pegariam a estrada.
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No trajeto para o apartamento de Magda, Carolina ía pensando: "Viver sozinha não é bom. Pode ser por algum tempo, em determinados períodos, mas não existe alguém, mental e fisicamente sadio, que viva só por gosto...as mulheres precisam de um homem, e a recíproca é verdadeira". "Porque se o homem nos é necessário, a mulher também é necessária a ele. Em igual medida". "Essa é uma verdade que nos indica o caminho: o amor é uma busca".
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Magda já estava aguardando Carolina em frente ao prédio. As duas amigas cumprimentaram-se alegremente e partiram, tagarelando animadas, para um agradável fim-de-semana. Era o que esperavam.
Ao chegarem a Gramado procuraram um pequeno restaurante onde serviam comida caseira, pois Carolina estava desejosa de saborear algo bem simples.
O local era realmente agradável e o cheiro de "bife à caçarola" fez as duas amigas salivarem.
- Que fome ! - disseram
Sentaram-se em local aconchegante e pediram um martini. O salão estava quase vazio, pois ainda era cedo. Mas aos poucos, os frequeses foram chegando. Em 20 minutos o restaurante estava lotado. Carolina percorreu com o olhar todas as mesas a procura... a procura do quê? Após almoçarem resolveram caminhar um pouco pela cidade. Olharam vitrines, compraram algumas lembrancinhas para os sobrinhos de Magda, e dois lindos blusões de lã que se deram de presente. Em Gramado existem bonitas peças feitas à mão. Depois foram para o apartamento. Abriram as janelas deixando o sol entrar. Recostaram-se na cama, cobrindo-se com grossas mantas de lã e pegaram no sono. Acordaram com um pouco de frio. A noite já estava chegando e elas estavam com uma vontade "danada" de tomar café. Magda fez um cafezinho, e também comeram salgadinhos. Magda queria sair para fazer um lanche, mas Carolina queria era mesmo comer uma "comida de verdade". Na última semana ela havia passado praticamente a lanches rápidos. Queria "tirar a diferença", brincou.
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Magda era gerente de uma rede de supermercados. Viúva há dois anos, com 32 anos de idade, também estava saindo de um relacionamento insatisfatório. Do único que tivera após a morte de seu marido. Um ataque cardíaco pusera fim a seu casamento. Ela ainda não conseguira abrandar a saudade. E a lembrança dos quatro nos de felicidade que tivera com ele não a deixava envolver-se afetivamente com outro homem. O tempo de convivência foi curto, não tiveram filhos, mas foi uma época realmente feliz. Eles "combinavam em tudo", lembrava Magda. O marido era engenheiro, com sólida situação financeira, o que possibilitou à viúva manter o mesmo padrão de vida. Ela não tinha problemas financeiros, mas levava uma vida pacata. Carolina era sua melhor amiga e com ela Magda se sentia bem. Por isso nunca recusava um convite seu.
Principalmente para comer uma "comida de verdade".
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Situada na região serrana do Rio Grande do Sul, Gramado possui, junto a uma natureza exuberante, traços intactos da colonização européia ocorrida no final do século XIX. Povoada por imigrantes italianos e alemães, Gramado ergueu-se nas terras altas do planalto Meridional do Brasil, a 850 metros de altitude. Coberta por espessas florestas em terrenos acidentados, a Serra Gaúcha permanecia desabitada até a chegada dos europeus, de espírito desbravador, que reproduziram a partir da geografia e do clima temperado um estilo de vida fascinante.
Gramado era um ponto natural de repouso na dura subida do litoral para a serra. Hoje é um dos principais centros turísticos do país, reunindo excelente hotelaria e gastronomia, belíssimos parques e mirantes, inúmeros pontos turísticos, praças e ruas floridas durante todo o ano emoldurando uma arquitetura colonial e um rico calendário de eventos.
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Quando chegaram no restaurante já o encontraram cheio. Entretanto, conseguiram mesa bem ao fundo. Elas pediram uma picanha bem suculenta, arroz, polenta e salada. À mesa em frente à delas estavam sentados dois belos exemplares do sexo masculino. Sozinhos. Apresentavam entre l8 e 21 anos. Carolina chegou à conclusão de que o sábado estava terminando e não havia acontecido o que ela tanto fantasiara.
Por alguns momentos ficou calada, olhando o prato. Magda notou uma certa tristeza no olhar da amiga.
- O que está acontecendo? - perguntou.
- Estou me sentindo só, acho que preciso de um homem com urgência ao meu lado. O Caio me telefonou, quer encontrar comigo para conversarmos. Ele quer reatar. Mas não sei... Reatar prá mim é recomeçar. Mas onde um amor interrompido recomeça?
- No início, quando a paixão explodiu em chamas? Não, acredito que não - concluiu Magda. No meio, quando o desgaste já começa a se instalar não é apropriado, e muito menos no fim. Naquele último período dolorido...
- Nossa paixão iniciou ardente, mas depois se revelou impraticável. Chegamos à ruptura de forma sofrida, magoados. Ele me queria de um jeito que não sou. Queria-me no seu molde, e se não fosse assim, não daria. Não deu. Agora ele quer reconsiderar. Prometeu mudar, mas não acredito na sinceridade dele. Meu amor por ele se esvaiu.
- Então, amiga, levante vôo. Faça o reconhecimento de todas as pastagens e escolha a sua.
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Retornaram ao apartamento com o rosto rosado e sonolentas, talvez pelo do vinho que tomaram. Com muito gosto, foram dormir bem aconchegadas no edredom.
Pássaros cantavam nas árvores lá fora. Carolina levantou e foi à sacada. A grama do jardim estava coberta de geada. Estava frio, mas os primeiros raios de sol já começavam a brilhar nos vidros da janela do quarto. Era cedo, ainda. Deitou novamente.
Acordou sentindo um agradável cheiro de café. A mesa estava posta e Magda puxou suas cobertas brincando:
- Levanta, sua preguiçosa. O dia está lindo!
Carolina vestiu o roupão, escovou os dentes e sentou-se à mesa. Tomaram suco de laranja, comeram uma fatia de mamão e depois uma xícara de café com deliciosas torradas. Combinaram sair logo após, para aproveitarem bem a manhã e o resto do tempo na Serra.
Carolina lavou a louça, arrumaram-se e saíram. Foram até Canela. À tarde, retornaram a Porto Alegre.
Dirigia olhando atentamente a estrada, mas parecia pensativa.
- O que foi? - perguntou Magda.
- Fiz planos para este fim-de-semana. Porém não aconteceu o que esperava.
- Esperavas o quê?
- Encontrar o meu amor.
Magda sorriu.
- Não ria - pediu Carolina.
- Humm, está bem, não rirei. Mas diga-me, achaste que num fim de semana, assim, de repente, tu encontrarias o amor da tua vida?
- Achei. O amor pode ser encontrado num "virar a esquina", na fila do banco, no ... no...
- Está bem - disse Magda - admiro tua iniciativa, tua decisão de buscá-lo. Só não desista. Não o encontrastes hoje, poderás encontrá-lo amanhã.
Carolina sorriu e passou a mão no joelho da amiga, agradecendo o incentivo. Então, o monza que ía à frente deu uma guinada para a direita, e freou. Carolina conteve um palavrão e conseguiu parar o carro antes que batesse. O monza foi para o acostamento e estacionou. O motorista desceu do carro. Por meio de gestos pediu a Carolina que parasse também.
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Alto, cabelos castanho claro e olhos azuis, aparentava uns 30-33 anos de idade. Os lábios rosados mostravam os dentes uniformes e alvos. Estava sorrindo.
- Mas que "diacho" está acontecendo - murmurou Carolina - este cara quase me faz bater e desce do carro todo sorridente... é um louco!
- Não parece - disse Magda - e ele é muito bonito, vamos ver o que ele quer?
Carolina estacionou o carro logo atrás do dele. O homem foi em direção às mulheres e curvou-se para a janela da porta onde Magda estava sentada.
- Desculpem o transtorno - disse com voz pausada - mas uma lebre passou em frente ao meu carro e fiquei com receio de atropelá-la. Há uma restaurante a 50 metros daqui, gostaria de convidá-las para tomarmos um café ou um suco.
- Estamos com pressa - respondeu Carolina - precisamos chegar logo em Porto Alegre. Mas você está desculpado.
- Então fiquem com meu cartão. Meu nome é Pedro. Só vou acreditar que realmente me desculparam se aceitarem meu convite para um jantar, então. Me telefonem. Magda pegou o cartão, despediram-se e continuaram a viagem. Por algum tempo, o carro dele ía à frente do de Carolina, a quem observava pelo espelho retrovisor. Em determinado ponto ele estacionou em frente a uma lanchonete. Carolina e Magda seguiram conversando.
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O menino brincava sentado ao chão em cima de um tapete cinza-claro. Os cabelos loiros, encaracolados, emolduravam o rosto rosado. Olhos, azuis, espertos, seguiam os malabarismos que a mãe fazia com os carrinhos, aviões e trenzinhos. Os dois riam felizes.
Na cozinha, o pai servia sorvete em taças enfeitadas com morango.
- Papai, eu quero sorvete!
- Quase pronto, quase pronto - respondia o pai.
- Tchã, tchã, tchã, quem quer o sorvete mais gostoso da cidade?
- Eu, eu, eu - gritou feliz o garotinho.
- E a mamãe também quer? - perguntou Pedro.
Carolina olhou para o marido, levantou-se do chão onde estava sentada em frente a Roberto, e o beijou. Sentaram-se perto do filho, de três anos e comeram, e brincaram... e comeram "o melhor sorvete da cidade", receita de Pedro.
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Cinco anos já se haviam passado desde aquele fim-de-semana frio de setembro.
Carolina não resistira à lembrança daquele sorriso que ela achara encantador, e acabara telefonando para Pedro. Ele a convidou para jantar, e à Magda também. Aquele, foi o primeiro dos muitos jantares que partilharam. O primeiro dos muitos jantares que ainda terão.
Pedro é um homem seguro de si, que aos trinta e oito anos dirige sua própria empresa - de Factoring. Carolina atualmente trabalha com o marido, gerenciando os negócios. Roberto, pela manhã, fica em casa com a empregada, e à tarde vai para a Escolinha Doce de Leite. Aos sábados e domingos o casal dispensa a empregada e passa todo o tempo com o filho . O pai cozinha, a mãe lava a louça e Roberto já está aprendendo a secá-la.
Carolina pensa ter encontrado em Pedro o amor que esperava. Não nasceu de uma paixão ardente, mas de um sentimento de respeito, carinho, companheirismo, cumplicidade. Foi se tornando partilhado, íntimo. Carolina e Pedro ainda estão se conhecendo. E é através do diálogo, chave mestra do entendimento, que eles decompõem suas diferenças. Cada um tem seu ritmo de falar e de pensar. Eles sabem que um diálogo não tem que ser "somente aqui e agora". Sabem também, que se houver ruído na comunicação, o melhor que têm a fazer é adiá-lo para uma outra hora.
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O telefone toca no momento em que Carolina "lambe" a última colherada de sorvete. É Paulo. Ligou para avisar que Magda está sendo levada para o hospital pois começaram as contrações. Paulo está radiante. Carolina e Pedro também. A amiga está casada, feliz, e vai ter o filho que sempre desejou.
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